Deve-se ter o máximo de filhos possível?

Deve-se ter o máximo de filhos possível?

Tocamos aí num problema de prudência familiar que deve ser resolvido pelos próprios pais, o pai e a mãe juntos tanto quanto possível, e procurando pôr-se em acordo. Lembremos que é preciso distinguir a prudência pessoal da prudência familiar. A prudência pessoal é uma virtude, infelizmente, muitas vezes incompreendida. Em linguagem coloquial, homem prudente é aquele que só se compromete quando está absolutamente certo (é o oposto do risco), quando na realidade a virtude da prudência nos dá a inteligência prática da situação na qual nos encontramos, e aquela dos meios à nossa disposição para tender da maneira mais eficaz possível à realização de nossa felicidade. A virtude da prudência está ligada à força. Ela permite que nos comprometamos plenamente, in tempore opportuno, no momento em que seja preciso. Um homem prudente é aquele que sabe se comprometer quando a situação vale a pena. Nela ele colocará todo o peso de seu amor, toda a sua inteligência prática, toda a sua força, e isso para a realização daquilo que é seu bem pessoal. A prudência familiar será essa virtude de prudência do esposo e da esposa, cooperando juntos para o bem comum da família. Ela visa em primeiro lugar ao desabrochamento, ao desenvolvimento desse bem que é a família. O esposo e a esposa farão tudo para a realização desse bem. E compreende-se porque a questão do número de filhos está no coração da realização desse bem comum. Às vezes, a mãe quer muitos filhos e o pai não está de acordo, pois isso custaria caro. Às vezes é o inverso. Aliás, é muito curioso observar os argumentos dos dois lados: não são de modo algum os mesmos. E é interessante escutá-Ios porque é a responsabilidade dos pais que está em jogo.

São, portanto, os próprios pais que devem decidir, juntos, o número de seus filhos, evidentemente, abandonando-se profundamente a Deus, já que não podem colocar, por si mesmos, limites absolutos às suas relações conjugais. Mas mesmo assim são eles que decidem, e Deus responde. A questão do número depende de cada caso em particular. Não se pode resolver isso de um modo abstrato. Depende do pais, depende do lugar, depende da saúde do pai e da mãe, depende de sua educação, sua situação, depende de um grande número de coisas. Porém é certo que uma família numerosa é sempre uma bênção de Deus. É sempre uma bênção de Deus porque aumenta as relações entre os membros da família. E essas relações humanas, que se desenvolvem desde o ponto de partida, permitirão em seguida um maior desenvolvimento das relações humanas, e portanto do dom mútuo, do conhecimento, de saber olhar os que nos são próximos. Uma criancinha que vem ao mundo numa família numerosa observa seus irmãos e irmãs, observa seus pais…

Recordo-me de um diálogo que tive com psicanalistas, e da curiosidade que tinham ao me perguntar: “Que número é o senhor?” Quando respondi: “Eu sou o oitavo de uma família de doze”, foi o maior espanto: “Mas o senhor não foi esmagado pelos mais velhos, pelos seus irmãos e irmãs mais velhos?” Eu disse: “Não, isso nunca me veio à idéia. Ao contrário, era maravilhoso porque existiam ainda mais mediadores em relação a meus pais. Meus pais eram muito próximos, mas meus irmãos e irmãs possibilitavam o desenvolvimento de um outro amor”. Desenvolver o amor com relação a uma irmã mais velha, a um irmão mais velho, é algo de muito especial: não é de modo algum a mesma coisa que em relação aos pais. E se temos numerosos irmãos e irmãs, há uma grande variedade, porque ama-se cada um de modo único. Há imediatamente conaturalidades profundas que se formam, aliás misteriosas. É o desenvolvimento dessas relações humanas que permite ao coração humano, estou convencido, um desenvolvimento maior. E uma mãe de muitos filhos possui um coração que desabrocha cada vez um pouco mais: para cada um, existe uma ligação única com sua mãe. Essa ligação única faz com que a mãe se prolongue em cada um deles e que tenha para cada um deles um olhar particular. Há então um desenvolvimento de sua inteligência prática, da perspicácia de sua inteligência para seu filho, e um desenvolvimento do coração. O que é verdadeiro para a mãe, também é verdadeiro para o pai. Evidentemente que esse desenvolvimento não se fará ao infinito: há limite. Limites da natureza, limites do que pode representar, do ponto de vista econômico, a educação de muitos filhos, sobretudo nos dias de hoje. Não é fácil criar numerosos filhos numa cidade, numa grande cidade como Paris: nada é feito para isso e tudo conduz ao inverso. Quando a família é numerosa demais, os pais são obrigados a deixar a cidade. Deixando a cidade, deixam as suas ocupações, isso traz então toda espécie de problemas.

Quando se presta bastante atenção a tudo isso, compreende-se muito bem que se pare, facilmente, em dois, três, quatro filhos. Hoje em dia considera-se isso como uma família numerosa. Restringiu-se o olhar dos pais: a família é numerosa em três ou quatro; antes, era em dez, doze. É muito curioso o olhar no mundo de hoje: pela televisão, pela cultura, ele se estende a todo o universo; e do ponto de vista familiar se restringe. Aliás, constatam-se fenômenos análogos nos países subdesenvolvidos, onde a família permanece numerosa. Percebe-se bem o desequilíbrio que se produz: a cultura estende o olhar – a cultura, é do lado da inteligência: a inteligência tem um olhar mais universal – e pelo lado do coração, há um estreitamento. Não se pode mais amar com a mesma intensidade, a intensidade do amor simples da família – esse amor, o mais natural que existe: amar um irmão, uma irmã, amar vários irmãos. Quando somos obrigados a amar apenas um ou dois, há pelo lado do corarão algo que se restringe. É evidente que isso pode se retomar de outra maneira. Não se pode estabelecer estes princípios de um modo absoluto. Mas o clima de uma família numerosa é, de qualquer forma, bem diferente do clima de uma família pequena. Existe no clima de uma família numerosa uma grande generosidade. Isso permite uma educação maior no sentido da generosidade, no sentido de um desenvolvimento do amor, porque, dado que os filhos são numerosos, não se pode ter tanto luxo; é mais simples. Os brinquedos de uns são os brinquedos dos outros. E as roupas, na medida em que os filhos crescem e não podem mais vesti-las, passam de um a outro. Há então uma vida comum muito mais forte, muito mais intensa, que permite um despojamento e um desprendimento, uma educação na ordem da pobreza. Ao contrário, quando o filho é só, ele considera, que tudo é para ele e que tudo lhe é devido. Às vezes, quando ele vê brinquedos na casa de um amiguinho, ele os toma instintivamente. Numa família numerosa é antes o inverso: os brinquedos se doam. Não generalizemos, mas isso existe e acredito que se deva notá-lo.

Compreende-se então muito bem que o equilíbrio de uma família numerosa ou menos numerosa deriva de um julgamento complexo: não se deve simplificar. Dir-se-á: “Se não formos muito numerosos, poderemos proporcionar uma educação mais qualitativa”. Mas será a educação unicamente qualitativa? A criação de relações múltiplas e diversas numa grande família também conta. Talvez a educação seja menos seleta, menos luxuosa. Mas haverá uma qualidade de simplicidade, na pobreza maior, que permitirá, acredito, o desabrochamento maior do coração e de tudo aquilo que deriva diretamente do coração.

Texto do Pe. Marie-Dominique Philippe.

Fonte: www.comshalom.org

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