Muito se falou – e continuam – sobre a renúncia do Papa Bento XVI. Gostaria de compartilhar aqui no blog um que achei bastante interessante. Confiram:
Quando assumiu o trono de São Pedro, muitos acreditavam que Bento XVI fosse exercer um papado que refletisse sua fama de conservador e ferrenho defensor da doutrina tradicional católica. Mas ele acabou surpreendendo, na forma como tentou se aproximar de líderes de outras religiões e ao lidar com os escândalos de abusos sexuais cometidos por padres, na opinião do pesquisador e documentarista especializado em religião Mark Dowd.
No depoimento abaixo, Dowd analisa o estilo de liderança de Bento XVI, bem diferente de seu antecessor, o carismático João Paulo II, e indica o proveito que seu sucessor pode tirar de seu legado:
Mark Dowd |
“Em 2005, quando o papa Bento XVI sucedeu João Paulo II, havia duas visões distintas sobre o início de seu papado. Uma era de que tratava-se do passo final para uma figura eclesiástica ambiciosa que tinha cobiçado a cadeira de São Pedro por muitos anos. A outra era de que o pontificado à sua frente seria seu julgamento pessoal – seu próprio Calvário.
Ratzinger era, antes de tudo, um teólogo acadêmico – tímido e introvertido, e mais à vontade em seminários de universidade do que no comando de uma instituição que dita grande parte das crenças e práticas dos mais de um bilhão de católicos romanos ao redor do mundo.
Sempre me mantive com a segunda interpretação e as notícias de sua renúncia me levam de volta a 2010, quando tive um encontro inesquecível com o irmão do Papa, o monsenhor Georg Ratzinger, e uma amiga íntima da família, Margarete Ricardi.
Eu preparava um documentário para a BBC, para ser transmitido na véspera da visita do papa à Grã-Bretanha, e tinha viajado para a cidade alemã de Regensburg para isso. Margarete falou da solidão do Papa em Roma, de como ele sentia a necessidade de ligar com frequência para casa e ser visitado regularmente por seus amigos alemães. Havia uma mensagem implícita de que ele se sentia próximo e confiava em apenas um grupo muito seleto de pessoas que estavam ao seu redor – uma espécie de Rei Lear católico.
Ele será lembrado, eu suspeito, como um homem que acabou não cumprindo as expectativas de que representaria um atraso para a Igreja. No fim das contas ele não se mostrou o reacionário que muitos temiam.
Em contraste com João Paulo II, ele se encontrou várias vezes com vítimas de abuso sexual e tomou providências contra aqueles que a máquina burocrática da Igreja havia protegido por décadas.
Mas faltou-lhe a energia e o foco para grandes reformas de muitos ministérios do Vaticano que teriam tornado as ações de bispos e padres mais transparentes e possíveis de punição – uma tarefa enorme para qualquer pessoa, muito mais para um idoso acadêmico.
Apesar de tudo isso, não se deve esquecer que, sob sua vigilância, ocorreu uma série de modernizações, especialmente no seu trato com a mídia. Foi durante seu papado que a Santa Sé passou a se comunicar com o mundo através da internet e do Twitter. Ele também escreveu três encíclicas sobre a fé, a esperança e o amor.
Membros de outras religiões talvez sempre pensem nele em termos contraditórios – enormemente gentil e encantador na sua forma pessoal de tratar líderes muçulmanos e judaicos e mesmo assim capaz de cometer gafes sem tamanho, como o agora infame discurso de Regensburg, de 2006, em que foi acusado de ofender o profeta Maomé.
Apesar dos seus objetivos de promover a harmonia entre as diferentes religiões, Bento XVI manteve-se firme em sua crença de que a Igreja Católica Romana foi fundada por Jesus Cristo e que apesar de todas as suas imperfeições humanas, ela tinha autoridade para definir a doutrina e fazer comunicados decisivos sobre a verdade e a falsidade.
Ele estava a par da existência de um tipo de relativismo, que diz que tudo é apenas uma questão de opinião e preferência e que a verdade não existe.
Suas posições sobre o casamento gay pareciam muito duras e desconexas com a mudança dos tempos.
Seus críticos apontariam para a redução do número de novos padres na Europa e nas Américas, mas seus defensores chamariam a atenção para os seminários em franca expansão na África e o avanço do catolicismo na China e no Oriente Distante.
Como cardeal Ratzinger, Bento XVI foi o número 2 de João Paulo II por muitos anos, mas sua renúncia traz essa incrível dupla ao seu fim.
A Igreja dará entrada em uma nova era, e já há especulações sobre seus sucessores, mas quando a disputa começar, o consistório de cardeais procurará por um homem que seja capaz de comunicar os dogmas centrais do catolicismo via todas as formas tecnológicas possíveis, e um Papa que tenha a capacidade de inspirar respeito em diversas partes do mundo.”
Fonte: http://g1.globo.com