Celebrar a Sagrada Família é celebrar duas grandes vocações: a Humana e a Divina.

Celebrar a Sagrada Família é celebrar duas grandes vocações: a Humana e a Divina.

Celebrando a Festa da Sagrada Família, nós compomos o nosso coração. A beleza dessa família é o que inspira a família humana, dessa família humana que se inspira na família Divina. Ao olhar o presépio e ver Maria, José e Jesus, a Igreja nos remete à contemplação da família como lugar base do crescimento de cada ser humano. E ao olhar a família, nós nos debruçamos diante de dois mistérios: o mistério humano e o mistério Divino. A família tem essa força humana de construir a existência pessoal. Nós nascemos profundamente frágeis, desprovidos, seres humanos bem diferentes do resto do reino animal. Nós precisamos de muito tempo para que possamos tomar nossas decisões. Qual é o animal, no Reino animal, que precisa de 15, 20 anos para se decidir na vida? Pois bem, os pais acompanham uma criança até os 15 anos, e ela, ainda assim, não tem a capacidade, o discernimento de decidir por si só. Oxalá pelos seus 18, 20 anos ela começa a saber o caminho e começa a dar seus próprios passos para decidir sua vida.

Então existe um desprover natural do ser humano, nós precisamos do outro, e a família vai nos ensinando de forma natural que precisamos do outro, precisamos do outro para sobreviver, precisamos do outro para aprender a viver. Esse traço fundamental da existência humana nos coloca numa relação de busca de aprendizado, de busca de entendimento e de busca de suporte a partir da família. A família é fundamental, porque sustenta a existência, e a existência é para o outro. Desde pequenos, vamos aprendendo que mamãe e papai existem para o outro, mamãe e papai trabalham, se entregam, gastam sua vida para cuidar dos filhos, para cuidar de nós.

Essa relação é muito humana, ela nos faz entender aquilo que a nossa humanidade já revela de Deus, que nós precisamos uns dos outros. Mas existe ainda algo mais a se aprender a partir da luz de Deus. Deus que nos inspira pela Sagrada Família e pela comunhão profunda que nasce da Santíssima Trindade. A Trindade, que é a comunidade perfeita, que é a família que nos inspira para desejarmos o céu, desejarmos a comunhão dos santos, desejarmos a família que está no coração de Deus. E aí se decide ainda mais uma vez a nossa vocação, não só pela cultura humana do cuidado, mas pela cultura Divina da obediência. Hoje, a nossa cultura esqueceu, se perdeu, se distanciou dessa capacidade de obedecer.

Jesus Cristo, hoje, fala que, depois que voltou de Jerusalém para a casa dos pais, foi obediente aos pais, se submeteu, se entregou, se deixou. E na família, existe outro traço importante: a capacidade de aprender a ser obediente. Ser obediente é uma palavra fundamental que, inscrita no coração humano, nos faz pessoas melhores, nos faz pessoas capazes de potencializar essa nossa vocação, esse cuidado pelo outro. Ser obediente é estar à escuta do outro, é aprender com o outro a crescer e ser uma pessoa melhor. Por isso a vocação divina da Sagrada Família é a vocação da obediência, a vocação da escuta. A palavra obediência já nos leva a essa vocação. Obediência significa estar sob a escuta – (Obediência (do latim oboedire = escutar com atenção, de OB, “atenção”, + AUDIRE, “escutar”)

E hoje, cada vez mais, a gente precisa dessa vocação, precisa aprender a escutar, aprender a estar à disposição. Por isso, todos nós somos chamados a viver essa grande vocação da obediência. Os pais precisam aprender a obedecer a essa grande mãe, que é a Igreja. A própria família, os pais, precisam ensinar a seus filhos, através da sua própria experiência, a obedecer a grande mãe, obedecer a grande família, que é comunidade cristã. À medida que os pais aprendem a obedecer ou já aprenderam a viver essa obediência, os filhos também entenderão a importância da obediência, a importância de estar sob a escuta.

Estar sob a escuta é estar em função do outro, estar em função da vida e para o outro. E aí a gente encontra, hoje, um traço muito doloroso da nossa cultura, quando a gente, em família, vai aprendendo a obedecer e vai aprendendo a estar em função do outro. Então aprendemos que a nossa vida é uma missão, aprendemos a viver em função do outro. Hoje em dia, cada vez mais, as crianças e os adolescentes acreditam que sua vida é uma autorrealização pessoal, é simplesmente um realizar-se pessoalmente. A Família precisa, cada vez mais, ensinar aos seus jovens, às suas crianças, que a sua vida é uma missão. Uma missão de ser pai, de ser mãe, se não fisicamente, se não biologicamente, mas ser pai e mãe espiritualmente, ser pai e mãe da história da vida, estar disposto a cuidar sempre do outro.

Muitas vezes, os nossos jovens e adolescentes começam a se cortar, sofrem porque pensam até em suicídio. Quanto cresceu o suicídio, quantas crianças e jovens começam a se cortar, por quê? Porque se perderam na capacidade de perceber que a sua vida está em função de um outro e não em função de uma autovalorização, uma satisfação pessoal. Satisfazer-se. Essa é a missão da geração atual, satisfazer suas necessidades, satisfazer sua vida, satisfazer seus sonhos. Mas a família precisa ensinar que a vocação do ser humano é em razão do outro.  Vejam só, se eu acordar de manhã e souber que tenho uma missão, que eu tenho para quem, eu tenho para que, eu tenho para onde ir, o que fazer? É tão importante, ao acordar pela manhã, eu saber o que vai ser da minha vida, para que eu estou vivendo, para que eu sirvo, para onde eu vou. Às vezes, vivemos nessa sociedade da autossatisfação pessoal, de que eu não sei mais o que fazer, eu já fiz tudo, eu já tenho tudo, nas minhas mãos. A família precisa, cada vez mais, educar, ensinar que a nossa vida é em função de uma missão, uma missão que nos leva ao outro, uma missão que nos leva a crescer no outro.

Celebrar a Sagrada Família hoje é celebrar essas duas grandes vocações: Humana e Divina. A primeira é que nós somos frágeis, desprovidos, precisando do outro. A segunda é que a nossa existência está em função de uma missão que está fora de nós. Por isso o texto de hoje, ‘sede bondosos, compassivos, misericordiosos, suportai-vos uns aos outros’, nos diz o apóstolo. E ser assim é sobretudo fazer o que Jesus fez: sede obedientes.

Deus nos deu dois ouvidos, porque sabe que a existência humana se funda em escutar, em estar sob a escuta, obedecer. Que o Senhor Deus nos fortaleça, que a vocação da Sagrada Família se fortaleça no seio de cada família, ensinando e aprendendo a ser obedientes, a ser cuidadores a se entregar na missão.

Padre Francisco Júnior, sss
Pároco e Reitor do Santuário São Benedito
Homilia – 26/12/2021

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