Tributo ao Sacramentino Dom Aldo Di Cillo Pagotto, sss –  In Memoriam

Tributo ao Sacramentino Dom Aldo Di Cillo Pagotto, sss – In Memoriam

Saudações…

Relaciono a vida e a missão de Dom Aldo com duas figuras bíblicas significativas: a do pão e a do pastor. Sua vocação e seu ministério foram plasmados pelo dom de si para saciar as fomes das pessoas e do mundo; em seu munus de pastor, testemunhou características relevantes da Eucaristia, tais como, humanidade, proximidade, compaixão, misericórdia e justiça.  Compreendeu e aplicou a si mesmo a Boa Nova da Eucaristia e a proclamou em primeiro lugar mediante o testemunho. Sua comunhão de vida e de destino com os pobres e sua solidariedade conosco irradiaram de modo simples e espontâneo o seu espírito de fraternidade, de oração e de apostolado eucarístico. Dom Aldo fez a experiência do grão de trigo, especialmente nos últimos tempos do seu ministério episcopal como Arcebispo da Paraíba.

De acordo com São Pedro Julião Eymard, um bom pão passa pela peneira, pelo forno e pela mastigação. Na condição de confrade sacramentino, esse proeminente irmão do episcopado brasileiro assumiu as consequências de ser pão e pastor. Bispo presente, participativo e solidário, qualidades essenciais de um bom evangelizador. Todos nós estamos chamados a dar esse testemunho com a própria vida. A Igreja tem por missão revelar o amor celebrado e adorado na Eucaristia. Testemunhar o amor é a quintessência da vida sacramentina. Antes de ser bispo de Sobral, inúmeras vezes o então Padre Aldo chegava à casa de São Benedito cansado e suado como operário braçal, vindo da periferia de Fortaleza, onde servia nas imediações do Porto do Mucuripe. Chegava feliz, contente pela missão realizada. Seu testemunho falava de relações humanas com gente carente, de encontros com pessoas sedentas e famintas de Deus, de experiências de fraternidade e de solidariedade nascidas da Eucaristia. Para ele, a condição de exclusão e de descarte dos pobres significou um apelo para ser dom e missão. Imerso no apostolado eucarístico, partilhou as alegrias, as esperanças, as tristezas e as angústias dos pobres e dos aflitos, notadamente no aconselhamento pastoral e no sacramento da reconciliação. No seu apostolado apareceram a bondade, o cuidado, a caridade e a solidariedade; além dos três SSS que indicam uma vida santa sábia e servidora, Dom Aldo tinha também dois TT, um de tenacidade e outro de ternura. Vamos ao significado do pão na vida e no ministério desse irmão de vocação religiosa e de missão episcopal.

Dom Aldo foi um pão preparado com água, trigo moído, fogo e trabalho. Tornou-se alimento de pobres e ricos, mas principalmente dos pobres. Humilde, de vida simples e generosa, foi pão partido e soube resistir à tentação de transformar as pedras do caminho em pão. O pão que ele serviu foi o dom de si mesmo, sua inteligência, suas habilidades e seu dinamismo a serviço da Eucaristia.  O tentador não foi capaz de desfigurar sua missão de ser alimento de vida e salvação para a Igreja e o mundo. O sinal destacado do seu pastoreio consistiu em ser testemunha e profeta da Eucaristia, o que sem dúvida o conduziu para o caminho da cruz. De onde veio a sua força para resistir às investidas do mal? Veio da fonte de água viva chamada Jesus. Dom Aldo foi um homem de oração e de ação, bebeu na fonte Jesus e se tornou um rio de água viva para as pessoas. Se Moisés fez brotar água do rochedo no deserto, Jesus, através de Dom Aldo, ofereceu a água viva do seu Espírito aos que dele se aproximaram. Porque falava com Jesus na Eucaristia, como conversamos uns com os outros, Dom Aldo pode levar a Palavra de Deus às pessoas, especialmente às mais aflitas e necessitadas. Ele foi um pai consolador, inspirador e orientador para muita gente! Como adorador, não viu Deus pelas costas – como Moisés – mas o viu de frente, olhos nos olhos, porque é assim que o Senhor prefere conversar conosco. Do Deus vivo na Eucaristia, ele ouviu a Palavra que conduz à vida; em suas experiências espirituais, sentiu a alegria de conhecer a vontade de Deus e realizá-la.

Sempre implorava a misericórdia de Deus e a intercessão da Mãe Santíssima para ser fiel à sua vocação e missão. Em certa ocasião, confidenciou-me: “às vezes adoro o Senhor prostrado ou deitado sobre o piso da capela; é o único jeito de vencer a mim mesmo e ao tentador”. O Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia foram seus alimentos preferidos. Para ele, esse duplo alimento [palavra e pão] não foi reduzido ao comer e ficar saciado, como quem vê o dom da salvação apenas pelo lado material. Não lhe bastou o aspecto da saciedade, entendeu que o ser humano tem fome de algo mais, precisa de mais: “necessita de ser absorvido pelo amor”. De fato, Dom Aldo entendeu e viveu essa grande verdade: não somos nós que possuímos a Eucaristia, é a Eucaristia que nos possui; não somos nós que possuímos o amor, é o amor que nos possui. Comungar Jesus na Eucaristia é alimentar-se do Deus vivo e deixar-se possuir pelo amor. Aí está o fundamento da vida e da missão de um sacramentino: comer o pão para ser pão; comungar o amor para ser amor. Numa das nossas conversas sobre as cruzes do episcopado, deu a entender que perdoava a todos: todos os que lhe crucificaram “sob o martírio das ilações, da distorção dos fatos e das injustiças”. O mandamento do amor tornou-se a lei do seu coração, da sua pessoa e da sua ética. Preparou-se com esmero para trabalhar, atuar e fazer as obras de Deus; pregava com entusiasmo, força e coragem; sua fé em Cristo eucarístico, seu diálogo adorador e seu relacionamento pessoal com o Senhor, construíram-lhe as bases para suportar a cruz. Seu testemunho de vida eucarística o associou à cruz, a ponto de adquirir uma nova humanidade, claramente penetrada pelo espírito de Deus. Ele foi consumido como pão! Aliás, no produto que chamamos ”pão” está contido o mistério da paixão, porque o grão de trigo foi semeado e morto sob a terra, para dele nascer uma nova espiga. Então, o pão encerra o mistério da paixão, une em si morte e ressurreição.

A esperança de vida a partir da morte anima as mulheres e os homens eucarísticos a “viver do pão entregue para a vida do mundo” (RV-SSS, n. 3). Os discípulos e os apóstolos da Eucaristia, encorajados pela paixão do pão, completam em sua carne o que falta às tribulações de Cristo, […] em favor da Igreja (cf. Col 1, 24). Ser pão é fazer o dom de si, cuidar das pessoas e alimentá-las com o pão da vida, o pão do amor. Trigo e uva são triturados, esmagados: o trigo para ser pão e a uva para ser vinho. Ambos sinalizam o mistério da paixão. Ser eucarístico é ser pão e vinho, passar pelo moinho e pela prensa – para ser alimento e bebida de salvação. Obrigado, Dom Aldo, por ter sido pão e vinho para os seus irmãos! E o que dizer deste pastor? A todos, propagou zelosamente o amor de Deus presente na Eucaristia (cf. RV-SSS, nº 2). Cuidou dos fracos, dirigiu-lhes uma palavra de consolo e confiança, esteve sempre junto do povo, no meio do povo, com cheiro de povo. Foi porta de acesso das ovelhas para Deus, amou apaixonadamente o seu Senhor – o que lhe permitiu ser “um só Corpo e um só Espírito” com Jesus [seu lema episcopal]. Porque esteve unido no amor com Jesus, as ovelhas ouviram a sua voz e seguiram o caminho as salvação. Quanta gente entrou no céu através do pastoreio de Dom Aldo! Na livre oblação de si mesmo pelas ovelhas, aceitou o báculo pastoral e a cruz a ele associada; optou por viver o amor radical e deu a própria vida. Ao povo que lhe foi confiado proveu o Pão da Palavra, o Pão da Eucaristia e o Pão do amor. Dom Aldo não deu algo de material ao povo, mas deu-se a si mesmo.

Não dispôs de si, quem dele dispôs foram Deus e as pessoas. O pastor a serviço de Jesus deve ser um homem eucaristizado, pão para todos; não prende as pessoas a si, no seu próprio eu, não aceita ser idolatrado, mas conduz o povo para Deus. Simples assim! O eu de um bom pastor está sempre aberto para Jesus; o que recebe de Deus o restitui multiplicado. Por isso, o verdadeiro pastor não se apodera das ovelhas como um bem material; antes, as introduz na comunhão com Deus; ele tem consciência de que as ovelhas pertencem a Deus, o Pai que cuida pessoalmente de cada uma e de todas. Enfim, a ovelha que o pastor põe sobre os ombros e amorosamente leva para casa é a humanidade, é o ser humano que ele tomou sobre os seus cuidados. Necessitamos do fogo desse amor deífico em nossos corações, daquela chama que se chama caridade. Na sua encarnação e na sua cruz, Jesus, o Bom Pastor, leva a ovelha perdida para casa, isto é, a humanidade. Ó Senhor, vem atrás de nós por entre os espinhos e os desertos das nossas vidas. Leva-nos um dia para a tua casa; leva-nos, pois temos fome e sede de ti. Queremos nos unir a ti, queremos nos prender a ti com o vínculo do amor eterno. Amém!

EXCURSO

Dom Aldo centrou sua vida no amor de Deus (cf. RV-SSS, nº 51). A primeira mensagem da sua vocação religiosa e do seu pastoreio foi o testemunho de vida (cf. RV-SSS, nº 37). As provações e os sofrimentos do seu ministério foram assumidos como serviço: na confiança, na fé, na renúncia de si mesmo, no carregar a cruz e no seguimento de Jesus (cf. RV-SSS, 26 e 20; Mt 16, 24). Imensa gratidão a ti, Dom Aldo, pela tua autenticidade e originalidade na vivência do carisma eucarístico de São Pedro Julião Eymard, Apóstolo da Eucaristia e do Dom de si. Descanse em paz na casa do Pai! Assim seja!

 

Paracatu (MG), 18 de setembro de 2021

Dom Jorge Alves Bezerra, SSS

Bispo de Paracatu (MG) Brasil

Foto: Joca Deus é Pai (Alexandre)

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