Inspirado pelo que chama de “época de ouro” da conquista do espaço, que culminou com a chegada do homem à Lua em 1969, José Funes, então com seis anos, decidiu ser astrônomo. Quase 15 anos depois, porém, ouviu outro chamado, desta vez de Deus. Assim, logo depois que obteve seu diploma de astrônomo da Universidade de Córdoba, na Argentina, em 1985, ingressou na ordem dos jesuítas, recebendo novo diploma em filosofia antes de seguir para Roma, onde foi ordenado.
Em 2006 os dois caminhos se encontraram e Funes foi apontado diretor do Observatório do Vaticano pelo Papa Bento XVI. Homem de fé e de ciência, ele defende o diálogo como forma de superar os conflitos. Para ele, o Big Bang e o Gênesis não são contraditórios, e sim caminhos diferentes da eterna busca humana pelo conhecimento e pela verdade. Até a possibilidade de existência de vida extraterrestre já é aceita pela Igreja. “Não vejo contradição entre fé e ciência, pois a verdade é uma só”, diz ele, que está no Rio para participar do workshop “The Evolving Universe”, evento promovido pela PUC-Rio e pela Fundação Planetário.
Sendo, ao mesmo tempo, cientista e padre, como o senhor equilibra questões de ciência e fé?
JOSÉ FUNES: Não vejo contradição entre fé e ciência, pois a verdade é uma só. Creio que as duas ajudam e apoiam uma a outra. Claro que cada uma tem sua própria linguagem, método e perspectiva, mas podemos aprender da diversidade entre as duas. Houve conflitos no passado e provavelmente teremos conflitos no futuro, mas podemos superar esses conflitos com o diálogo.
O senhor certamente já ouviu questionamentos do tipo: “a Bíblia diz que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, quando então ele teria criado o Universo?”. Como isso influencia o diálogo?
JOSÉ FUNES: É preciso estarmos atentos à linguagem, ao contexto e às culturas. A Bíblia não é um livro de ciência. Então, se estamos procurando uma explicação científica para o início do Universo, não vamos achar na Bíblia. A Bíblia é um livro que foi escrito entre 2 mil e 3 mil anos atrás e seus autores não tinham o conhecimento científico que temos hoje. O livro do Gênesis não diz como Deus criou o Universo, o que havia no seu começo, se era matéria escura, energia escura, átomos. Esse não é o escopo e o objetivo da Bíblia. Os autores da Bíblia foram inspirados por Deus para comunicar uma mensagem religiosa e não uma mensagem científica.
O senhor concorda que o Big Bang é a melhor explicação para a origem do Universo? O que sente quando dizem que ele não precisou da ação de Deus para acontecer?
JOSÉ FUNES: A teoria do Big Bang é a melhor explicação científica que temos hoje para a origem do Universo. Temos várias evidências de que o Universo tem cerca de 14 bilhões de anos e, com os dados que temos, é, sim, a melhor explicação disponível. Deus, para nós cristãos, não é a energia escura, a gravidade ou qualquer outra explicação científica de como o Universo se fez. Esse não é o Deus cristão. O Deus em que acreditamos é o pai de Jesus, autor da criação, o pai amoroso que toma conta de nós e nos ama tanto que nos enviou seu filho. Claro que se pensarmos Deus como a energia escura, a força da gravidade etc, não precisamos de Deus para explicar a realidade do Universo.
E quanto aos argumentos de que o Universo que vivemos é resultado de um desenho inteligente que seria a prova da existência de Deus?
JOSÉ FUNES: Se entendermos o desenho inteligente como um teoria científica ou um caminho teológico para Deus, não concordo, pois não é boa ciência, nem boa teologia. Segundo a teoria do Big Bang, de forma a termos vida como conhecemos, precisamos que o Universo tenha tido uma espécie sintonia fina. Se diferentes parâmetros físicos, como a massa do elétron, a constante da gravidade, a velocidade da luz, tivessem seus valores mudados, acabaríamos com um Universo diferente. Não é possível ter uma prova da existência de Deus do ponto de vista da ciência. Por outro lado, essas explicações científicas são racionais e compatíveis com nossa crença de que Deus é o Criador. Não vejo nenhum conflito real entre a teoria do Big Bang e o que sabemos pela fé. Do ponto de vista da fé, creio que há um propósito para a criação do Universo.
A Igreja aceita a possibilidade de existência de vida extraterrestre?
JOSÉ FUNES: Primeiro, deixemos bem claro que não temos provas de que exista vida no Universo fora da Terra. Dito isso, há um ramo interdisciplinar de estudo chamado astrobiologia que tem se desenvolvido muito nos últimos 20 anos e que tem como objetivo procurar por vida. Vivemos em um Universo com centenas de bilhões de galáxias, cada uma delas formada por centenas de bilhões de estrelas, que por sua vez têm centenas de bilhões de planetas orbitando elas, então é possível que haja vida lá fora no Universo. Vamos ver. Não há conflito entre a possibilidade de existência de vida extraterrestre e a doutrina da Igreja. Temos que fazer mais pesquisas, pois até o momento não temos provas da existência de vida fora da Terra. A Igreja encoraja essas pesquisas e não podemos fazer mais que isso.
E se encontrarmos vida fora da Terra e ela for diferente de nós, o senhor acha que há alguma contradição com os ensinamentos da Igreja? Afinal, a Bíblia não diz que fomos criados à imagem e semelhança de Deus?
JOSÉ FUNES: Não vejo nenhuma contradição entre a possibilidade de existência de vida no Universo com a fé em Deus como o Criador. Nós fomos criados à imagem de Deus, mas basicamente é nossa natureza espiritual que foi criada à imagem de Deus. Isso é que é importante. Outros seres podem ter sido criados com diferentes aparências, mas também abrigando a natureza espiritual de Deus.
O mesmo vale para a discussão entre criacionismo e evolução?
JOSÉ FUNES: Não sou biólogo, e sim astrônomo, mas posso dizer que do ponto de vista da ciência a evolução está comprovada. Na opinião da Igreja, não há oposição entre a criação e a evolução. Assim como no caso do Big Bang, são linguagens diferentes. Não podemos ler a Bíblia literalmente e isso está claro para a Igreja Católica. Ninguém na Igreja faria isso. E temos evidências da ciência de que as evolução existe. Assim como a vida, o Universo também evolui. Nos próprios processos físicos há evolução das galáxias, das estrelas, então a ideia da evolução é bem compreendida por nós.