“Muitas vezes não compreendemos os planos de Deus e seus desígnios. Mas, durante essa jornada de adoecimento do padre Anízio, pude estar ao lado dele e presenciar a Misericórdia Divina. Muitas vezes me perguntei o porquê das coisas que estavam acontecendo, o porquê de toda a sua luta, logo ele, que tanto serviu a Deus. O nome disso é barganha, experienciar o luto nos faz barganhar, porque é nesse ato que encontramos o conforto. E diante disso, afastando toda a dor, pude enxergar o meu conforto, e gostaria de partilhá-lo com vocês.
Em uma das visitas ao padre, uma das mais difíceis, me vi precisando confortá-lo. Isso, para mim, jamais foi um problema, faz parte da minha profissão, e é minha vocação levar um pouco de conforto aos meus pacientes. Mas há uma certa dificuldade e dor intensa em confortar um paciente crítico. Estava diante de mim um padre, servo de Deus e amigo querido meu e de minha família, e o vi ter medo, não medo dos planos de Deus, porque isso ele não tinha, nunca faltou Deus, mas sim medo de estar só, medo da solidão que essa doença gera, visto que, no momento de maior vulnerabilidade nossa, não podemos ter ao nosso lado nossos queridos.
Hoje, vejo naquele momento a expressão de humanidade, a humanidade de Jesus diante de sua cruz, e como somos um só e somos d’Ele. E um conforto que tenho nisso tudo é saber que ele nunca esteve só, pois todos nós estávamos com ele, em oração, em lembrança, em amor, em cuidado. Outra reflexão que tive foi o porquê de tanto tempo, e hoje percebo que esse era mais um serviço que Deus tinha para seu servo. Uma coisa posso dizer a vocês, o padre Anízio foi templo vivo naquele hospital. Quando o visitei nesta última sexta, me deparei com um mural de evangelhos presos na parede do seu quarto, junto de um terço. E vi ali o quanto ele foi igreja para todos, não tenho dúvida de que muitos profissionais foram até ele para encontrar seu próprio consolo, para encontrar forças, não tenho dúvidas de que ele foi chama viva nas UTIs frias em que esteve.
Por onde eu chegava e perguntava dele, todos sabiam quem era, e ele era muito querido. E por fim, nessa mesma última sexta, pude ler o evangelho do dia para ele, e na palavra dizia: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (João 15,15). E eu não tenho dúvidas do bom apóstolo que o Padre Anízio foi, ele serviu a Deus de uma forma que mostrava conhecer toda a intimidade do que significa Seu amor, porque ele era o Seu amigo. Que possamos tê-lo como exemplo em nossas vidas. Ele lutou bravamente pela vida, combateu o bom combate e confiou em Deus.
Obrigada por tanto padre, por cuidar da minha família e por me ensinar tanto nos últimos dias”!
Com amor, Letícia.
(Letícia é filha do casal Ceiça e Aliatar, ela é médica e acompanhou Pe. Anízio, sss durante a sua internação, até os últimos dias de sua vida.)